O edifício da Michaelerplatz, concluído em 1910 e também conhecido por Looshaus, foi edificado na famosa praça vienense com o mesmo nome a mando da empresa Goldman & Salatsh, uma conhecida alfaiataria vienense, e no quarteirão demolido nesse mesmo ano. Com a ideia de um grande edifício comercial ao nível da rua, em piso triplo, e da construção de apartamentos nos quatro pisos superiores, rematados com uma zona de oficinas na cobertura, o edifício foi o centro de uma acesa polémica na sociedade vienense.
Bem no coração da antiga cidade de Viena, o edifício foi a primeira oportunidade de Loos testar algumas das ideias que andava a traçar nos últimos anos. O carácter essencial deste edifício provém exactamente do facto de esta ser uma intervenção urbana que surge em continuidade com a critica por si desenvolvida nos últimos anos aos processos de construção histórica da cidade. A questão da dialéctica colocada pelas novas linguagens, fruto das novas técnicas e tipologias, e necessidades, o crescimento e densificação populacional, o aumento das transacções comerciais e da especulação imobiliária, as novas infra-estruturas ou a intensificação das deslocações, levantou um problema relativo ao pré-existente, à cidade histórica. Dialéctica entre a memória de um passado grandioso e a invenção do novo, entre uma tradição do construir e as novas tecnologias construtivas que possibilitavam uma formalização das modernas tipologias, entre um passado histórico concreto e um incerto futuro para a arquitectura. Loos cria a possibilidade de uma relação histórica complexa, sem o recurso vulgarizado a formas anacrónicas, antes uma visão lúcida e descomplexada sobre o passado e as tradições (de construir e habitar cidade). Objecto de grande controvérsia, a discussão em volta da construção do edifício foi acesa e transversal à comunidade vienense, desde os periódicos ‘Neue Freie Presse’, ‘Fremden-Blatt’, ou ‘Kikeriki’, ou a intelectuais como o escritor Karl Kraus, o poeta Georg Trackl, os arquitectos Paul Engelmann e Otto Wagner (este ultimo fundamental para o apaziguamento da discussão) ou os conselheiros Neumayer, Schneider ou Rykl . E é em 21 de Outubro de 1910, aquando a decisão de manter toda a zona superior da fachada rebocada a branco que o escultor Rykl, acérrimo defensor da “construção tradicional”, intensifica as hostilidades àquela forma de construir depurada.
No projecto original o edifico aparecia ornamentado com trabalhadas cornijas e frisos que mais provavelmente serviram para acelerar o processo de aprovação, conseguido a 11 de Março de 1910, mas durante a sua edificação uma serie de alterações ao projecto concederam-lhe a intenção anti-ornamental que o autor já havia proclamado em vários ensaios anteriores e que valeram o embargo da obra e uma polémica terminada com a obrigação da colocação de grandes vasos dourados nas singelas janelas dos pisos superiores. Mas foi a linguagem completamente ausente de referências simbólicas ou outras, a simplicidade das linguagens dos materiais (do mármore, das ferragens douradas ou do reboco branco da fachada superior), que acabaram por revestir este edifício construído em betão armado, e que seria a única linguagem possível numa grande cidade. Mas seria muito redutivo reduzir a complexidade deste edifício à sua divertida polémica ornamental que foi extensa e que só em 1912 ficou extinta. Em primeiro plano está o desenvolvimento desta dialéctica entre a dimensão da memória e a invenção do novo, principal eixo de articulação compositiva do edifício com uma tradição de fazer cidade, iniciada com uma preocupação com o lugar concreto em que o edifício se insere. Se por um lado o projecto intervém na estratificação histórica do desenho da cidade, ele dá forma a uma moderna tipologia: o edifício comercial. Situado no histórico cruzamento da Augustinerstrass-Herrengasse com o Kohlmarkt-Burgtor, grandes eixos viários objecto de inúmeras configurações durante o século XIX, a Looshaus encontra-se em confronto directo com três elementos fundamentais da cidade de Viena: o Hofburg, o tardo-historicista palácio Herberstein e a Michaelerkirche. O lugar, antes de mais entendido para além do seu contexto imediato mas antes como uma memória abrangente e colectiva de cidade, lugar de experimentações por excelência de tradições vivas pelas evoluções técnicas e culturais. Uma questão fundamental serve de mote para esta abordagem histórica ao edifício enquanto organização tipológica. A dupla necessidade de, à adaptação da moderna tipologia do edifício comercial da grande escala pública, contrapor a construção de habitação que exige um comedimento inerente ao seu carácter necessariamente privado. Tratava-se portanto de renovar o típico modelo das ‘casas comerciais’ (Geschäftshauser) das cidades centro-europeias do século XIX que reservavam os pisos térreos para o desenvolvimento de actividades comerciais. Loos inverte um sistema tradicional de concepção morfológica destas tipologias trazendo para o piso térreo toda a atenção do edifício, através do aleatório desenho proporcionado pelos veios do mármore, libertando os pisos superiores através de uma matriz geométrica indiferenciada. Com isto Loos quebra formalmente o edifício em três partes distintas: um primeiro grande embasamento com tripla planta, proporcionado um complexo sistema de relações espaciais que encontra a praça e a rua através da surpresa do mármore, ora talhado em longas colunas dóricas ora perfurado por generosas montras; o corpo principal composto por quatro pisos de habitação com janelas regulares com caixilharia em ferro, rebocado e pintado de branco; por fim o remate da cobertura montada, com zona de oficinas, assente numa discreta cornija que encerra a composição.
1 Gravagnuolo, Benedetto; Adolf Loos, teoria y obra; Edição Nerea; p.125