6.5.10

Casa Müller, 1930



A casa Müller quando compreendida em detalhe parece sugerir, talvez também por ser o último e mais significante projecto de Loos, uma síntese dos seus projectos fundamentais. Ideia reforçada pelas relações imediatas estabelecidas com o projecto seu antecedente para a Casa Moller, de onde parece extraído o modelo básico de toda a sua construção. Antes de mais a subtil tendência cúbica do edifício, sugerida mais pela composição dos vazios do que pela concretização do volume, claramente paralelepipédico. Mas são diversas as continuidades e analogias formais. Desde logo de novo o volume proeminente que irrompe do muro branco, tal como na casa Moller, mas que aqui perde o protagonismo de marcação da entrada, secundariza-se ao mesmo tempo que ajuda a estabelecer ordem na composição algo irracional do alçado lateral de sudeste. As janelas recuadas reforçam a ideia do vão como espaço vazado aos muros das fachadas, o remate do topo do edifício em terraço ou a estrutura tipológica e distributiva do seu interior, ajudam a compor uma leitura comparativa. A grande diferença entre os dois projectos é dada pelo lugar e concretizada nas relações que o edifício estabelece com a envolvente exterior. Claramente mais exposto à via pública, todo o edifício parece entrar num jogo de retracção em relação ao exterior, concretizado quer pelos vãos, menores e em menor número, quer pelo afastamento deliberado da via. A entrada processa-se a uma cota inferior à da rua e não atribui a importância de fachada principal ao plano que a recebe.
No respeitante ao interior, repete-se a estrutura tripartida de piso de serviços no piso inferior, piso diurno no intermédio e a zona de utilização nocturna nos pisos superiores, dois neste caso sendo o segundo projectado no exterior por meio de um terraço sobre a cidade de Praga. Novamente o processo de entrada acontece conscientemente marcada e neste caso de forma algo peculiar. A pausa de descida de um lance de três escadas, ainda no exterior, é acolhida por uma entrada, recolhida, escavada na fachada e reforçada pelo desenho de um banco de pedra, que lhe cria um contexto. Esta sequência inicial, um interpretação refinada de penetração do exterior no interior da casa, serve de preâmbulo à extraordinária complexidade espacial que este projecto revela. A casa desenvolve dois sistemas de comunicação vertical, dois jogos de escadas, que servem duas diferentes funções e que delas derivam duas possibilidades absolutamente distintas de habitar a casa. Uma delas, de distribuição de serviço, que liga rapidamente o piso de entrada ao terraço superior, permitindo uma ligação continua de toda a casa. E uma segunda que se desenvolve com outra complexidade e que ligas os níveis intermédios da casa, proporcionando uma distribuição mais social. “La
comodidad de una escalera no pueda medirse con números, sino que hay que juzgarla psicológica y fisiológicamente.” As escadas aparecem no pensamento loosiano como um acontecimento fundamental para a concretização do Raumplan, é dizer deste sentido que o autor insistentemente desenvolve de pensar o espaço na sua dimensão tridimensional. Dizer tridimensional, no caso da casa Müller, é claramente insuficiente. Loos por esta época domina totalmente a encenação das articulações espaciais, proporcionando uma permanente fuga do olhar, em particular nos momentos de sugestão de movimento, devido às complexas relações perceptivas que proporciona entre os espaços acoplados. A tentativa de simulação mental destes espaços, graças a esta introdução do factor tempo na sua concepção, ganha uma dificuldade extrema quer na sua representação quer na sua descrição. De facto Loos parece conceber estes espaços rigorosamente a partir dos corpos que os vão percorrer.
Também os materiais entram nesta dinâmica de construção psicofuncional dos ambientes. A utilização de madeiras nobres e de tecidos na zona de biblioteca e no boudoir criam um nível de intimidade que os distinguem imediatamente do salão de estar, com as suas peças geometricamente talhadas em mármore verde em contraste com as paredes brancas que criam uma encenação para a zona de refeições e a escadaria principal, permitindo uma visão dos diversos níveis da casa.